‘Queriam me deixar paraplégico’, diz homem atacado por criminosos em Itaguara
Vítima foi torturada e teve ameaças escritas no corpo (Foto: Alex de Jesus/O TEMPO)
Vítima não soube dizer motivação do crime, mas não descarta que possa ter relação com sua orientação sexual
Com dificuldade para caminhar, ferimentos no corpo e ainda a frase “na outra você morre” escrita na barriga, o homem de 48 anos atacado por quatro criminosos dentro de casa em Itaguara, na região metropolitana de Belo Horizonte, tenta se recuperar das agressões sofridas. Em conversa com a reportagem de O TEMPO, nesta quarta-feira (14), a vítima contou os momentos de terror que viveu nas mãos dos bandidos, que teriam a intenção de deixar o morador paraplégico.
O crime aconteceu no final da tarde desta terça-feira (13) após uma cliente sair do local. Além de morar no imóvel, o homem tem uma gráfica pequena no espaço. “Estava no horário de fechar a minha mini gráfica, entre 17h15 e 17h30. Estava me despedindo de uma senhora que estava saindo. Ela não conseguiu fechar o portão porque um indivíduo colocou o pé na frente. Ela não falou nada e desceu como se nada tivesse acontecido. Fui ver o que estava acontecendo e já tinha um rapaz com a faca na mão mandando eu entrar. Os outros três vieram em seguida”, contou a vítima que, muito abalada, pediu para não ter o nome divulgado.
Na versão do homem, dentro da residência, começou a sessão de tortura: os agressores foram silenciosos, tiveram o cuidado de fechar as janelas, cortinas e apagar as luzes. Em seguida foram cerca de 30 minutos de covardia, sendo que o bando teria imobilizado o morador de bruços no chão.
“Foram tapas, pontapés, chutes. Colocaram uma bolinha na minha boca para eu não falar. Me chamavam de gordo, porco, ‘viado’. Dois seguraram meus pés, o outro pisou nas minhas mãos, e o quarto, com uma faca bem ruim de corte, foi passando, cortando. Eles queriam achar o nervo ciático para me deixar paraplégico, eles falaram isso”, detalhou.
Conforme registrado no boletim de ocorrência da Polícia Militar, as lesões atingiram as costas, nádegas e próximo ao ânus da vítima. Na satisfeitos, os agressores ainda usaram um canetão para escrever no tórax da vítima e desenhar uma cruz suástica na testa dele.
“Eles ainda injetaram uma substância, meio verde amarelada, no meu pescoço. Cerca de 5ml e eu fique meio em devaneios, alucinações. Acho que foi uma droga para que eu permitisse os cortes, mas, mesmo com essa droga, doeu demais. Eles trouxeram a faca”, contou.
Agressores usavam máscara com sorriso
Segundo a vítima, os homens estavam com os mesmos trajes: blusas de capuz, bermudas e máscaras com um sorriso do personagem de quadrinhos “Charada”.
“Deu para perceber nos pescoços que todos eles tinham o símbolo do nazismo, a suástica em preto e o interior de vermelho. Nos braços eles tinha um círculo com uma ave em cima”, afirmou.
Os homens fugiram a pé levando R$ 200 em dinheiro, um iPod e um celular. Ao ver o modelo do aparelho, um Nokia N95, um dos criminosos ainda deu dois tapas na vítima afirmado que “era para tomar vergonha e comprar um celular decente”.
A vítima gritou pelo vizinho, que possui uma cópia da chave do imóvel, e recebeu a primeira ajuda. Ela foi encaminhada à Santa Casa de Itaguara, onde foi medicada e liberada na manhã desta quarta. “O próprio médico disse que eles ‘cavacaram’ bastante o nervo ciático e que eu tive sorte de não ter ficado paraplégico. Eles estavam com pressa para ir embora, falavam que não ia dar tempo”, contou.
“Falei que te achava, gordinho”, disse um dos criminosos
Já dentro da casa, um dos criminosos teria dito “falei que te achava, gordinho”. Essa afirmação pode ter ligação com a abordagem na última semana, quando quatro homens mexeram com a vítima no centro da cidade.
“Eu estava andando quando percebi que tinha gente atrás de mim. Essas pessoas me chamaram de gordinho por três vezes. Depois falaram: ‘porco, filho da p#t@, vou te pegar’. Eu fiquei com medo, atravessei para perto de uma viatura da polícia e eles passaram. Certeza absoluta que são os mesmo eu não tenho, mas as características são as mesmas”, afirmou.
Vítima não sabe a motivação do ataque
Nesta quinta-feira (15), a vítima vai prestar depoimento à Polícia Civil. O morador ainda não sabe qual foi a motivação do ataque.
“Não sei se pode ter sido pela minha orientação sexual, eu sou muito discreto. Pode ter sido que alguém falou que eu era gay, que morava sozinho. Trabalho em alguns grupos ajudando pessoas na cidade, não teve nenhuma confusão. Não posso descartar hipótese nenhuma, eu creio que seja um grupo de recruta. Quem não é da cidade, mas veio recrutar pessoas aqui”, destacou.
“São dores físicas, dores na alma”, diz vítima
O homem mora sozinho na mesma casa há 40 anos, é conhecido na região e não tem problemas com ninguém na cidade. O imóvel já estava à venda e, ante que o negócio seja concretizado, ele pretende instalar câmeras de segurança na porta da residência.
“São dores físicas, dores na alma. Fizeram uma bagunça na minha cabeça, mas essas dores vão passar. Assusta bastante, assustou a vizinhança. Agora, mais do que nunca, vou prestar atenção na segurança. Vou continuar aqui até a venda da casa. Eu sou uma pessoa simples, humilde, desejo o bem a todo mundo. Eu espero que tenha justiça, que eles sejam presos e julgados pelo que eles fizeram”, finalizou.
Rastreamento na região
A Polícia Militar realizou rastreamento na região, mas nenhum suspeito foi identificado ou localizado. Segundo a corporação, não há registro de grupos atacando na cidade.
“Assim que a guarnição policial foi acionada pela equipe do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) fez contato com a vítima. Até então, o local não possui câmeras, a vítima relata que tinha uma mulher, mas ela não sabe informar os dados até mesmo para gente dar andamento na ocorrência. Estamos em diligências, mas até o momento ninguém foi localizado. Não há registro desse tipo de incidente no município”, explicou o tenente Anísio, do 5º Pelotão em Itaguara.
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que a” ocorrência registrada foi de lesão corporal e já instaurou inquérito policial para apurar as circunstâncias, o motivo e a autoria do crime”. Conforme a instituição,a princípio, não há testemunha que possa colaborar com informações e a polícia vai se manifestar tão logo os trabalhos estejam avançados.
Moradores ficaram assustados com o caso
Alguns moradores tomaram conhecimento do ataque dos criminosos.e ficaram com medo já que a cidade é considerada tranquila. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistíca (IBGE), a população estimada de Itaguara é de 13.435.
“Ontem eu passei lá na porta e vi uma ambulância, mas não imaginei que fosse por causa de um crime. A cidade é tranquila, não tem costume de ver essas coisas. A gente fica com receio, é uma situação complicada que aconteceu perto da minha casa”, afirmou o
taxista Ailton Passos, de 47 anos.
Uma moradora, de 22 anos, que pediu para não ser identificada, contou que soube do caso através de uma reportagem. “Moro aqui há quatro anos e nunca vi nada parecido. Casos assim nunca aconteceram, e então a gente fica com medo. Se foi por causa da orientação sexual dele isso é um absurdo, um preconceito”, disse.
Matéria ‘Queriam me deixar paraplégico’, diz homem atacado por criminosos em Itaguara | O TEMPOada às 16h45