Ah, Mulher!
Com o passar dos anos a gente vai mudando. Vai assistindo a vida passando, os acontecimentos, as mudanças, as melhorias, alguns retrocessos.
Até 2005 o Brasil mantinha no seu código penal o crime de adultério. A pena era de 15 dias a seis meses de prisão, mas a vergonha que as pessoas imputavam ao “traidor” durava a vida toda.
Me lembro bem de uma expressão que ouvia muito: “mulher à toa”. Sabem quem recebia este adjetivo? A mulher que se separava do marido. Virava “mulher à-toa”. Não vou nem falar de que eram chamadas as mães solteiras.
Mas, hoje vigora uma outra lei. Silenciosa, não escrita em nenhum código penal. Mas é a lei mais aplicada às mulheres que desejam seguir em frente, deixar para trás uma vida a dois sem a paixão de antes, sem o amor como antes. E muitas e muitas vezes, deixar esta vida a dois para trás significa também deixar as humilhações, o olho roxo, a boca estourada, as marcas da violência. Mas ela não pode apenas seguir em frente, se dar o direito de tentar de novo, de ser feliz com outra pessoa ou até mesmo só sair do relacionamento que não lhe traz mais a felicidade de antes, de seguir sozinha, sem envolvimento com um parceiro.
A lei silenciosa não perdoa, é aplicada todos os dias. Para esta lei, é intolerável que uma mulher deixe uma vida a dois para trás por sua iniciativa. Não! Um homem não pode ser deixado para trás, não pode ser trocado por outro. Não!
A lei precisa ser aplicada e de forma severa. Esta mulher não deve seguir em frente. Se quer sair de um relacionamento de anos, décadas ou até poucos meses, não pode fazer isto e continuar livre.
Ela tem que aprender que isto não se faz e sai impune. Tem que apanhar muito, ser torturada e morta. Em qualquer lugar, com testemunhas ou não. O que importa se existem filhos, crianças que assistem a tudo sem entender o tamanho e o porquê de tanta violência que deixa a mãe completamente imóvel, coberta de sangue, em silêncio?
Ah, Mulher! E você achou que queimar soutien na praça pública, votar, dirigir, usar calças compridas, trabalhar em qualquer profissão faria com que fosse respeitada, permitiria que fosse dona de si mesma, de decidir seu destino.
Ah, Mulher, você subestimou a selvageria, a ignorância, o machismo. Lá atrás, nas cavernas, permitiu que o homem criasse a propriedade. E, para ele, propriedade não eram só as aldeias, o rebanho. A propriedade incluiu você e você nem percebeu isto.
Mas sigamos em frente! Cuidemos para que nossos filhos interrompam este conceito de um casal se pertencer. Mas nunca se esqueça que, apesar de tudo, você é única, é linda e merece ser feliz. Não desista!